“Mãe, o vovô é latifundiário?”

Abaixo, reportagem do jornal gaúcho Zero Hora (24/07/2006) sobre a polêmica causada por livro de Geografia para alunos da 5ª série, de Antonio Aparecido Primo (Nico) e Hugo L. M. Montenegro, que apresenta visão tendenciosa sobre a questão da reforma agrária e texto idílico de autoria de João Pedro Stédile sobre o dia-a-dia num assentamento do MST.

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Em uma região marcada por confrontos entre ruralistas e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o livro de geografia usado na Escola Auxiliadora, uma das mais tradicionais instituições particulares de Bagé, causa polêmica entre os pais dos estudantes.

As queixas se referem a trechos considerados ideológicos e à presença de um artigo do líder nacional dos sem-terra João Pedro Stedile. A publicação é usada na 5ª série do Ensino Fundamental de algumas escolas da rede salesiana no Brasil, à qual pertence a instituição. Descontentes com o enfoque dado na parte que trata sobre “Os modos de vida no campo – o uso da terra”, os pais ficaram indignados ao ver um texto de Stedile ilustrando o dia-a-dia de um assentamento. O artigo Terra Prometida é original do livro Questão Agrária no Brasil.

Minha filha estava se sentindo culpada por ser filha e neta de produtor rural

– Só falta exigir que os alunos levantem e aplaudam – diz Daniela Gomes, administradora e mãe de uma menina de 10 anos.

A agrônoma Eveline Almeida ficou impressionada com a pergunta da filha de 11 anos:

– Mãe, o vovô é latifundiário?

Segundo Eveline, a filha teria aprendido, a partir do livro, que a presença de máquinas no campo seria responsável pelos desempregados que chegam às cidades.

– Quando ouvi aquilo, não acreditei. Minha filha estava se sentindo culpada por ser filha e neta de produtor rural – espanta-se Eveline.

O Sindicato Rural da cidade contatou a instituição para protestar.

– Publicar um texto escrito por um cidadão processado por pregar o assassinato de produtores rurais é, no mínimo, curioso – comenta o presidente do Sindicato Rural de Bagé, Paulo Ricardo Dias.

A direção da escola informou que revisará o conteúdo no próximo ano.

– Estamos abertos a críticas e somos contra invasões e depredações. Vamos discutir a mudança com toda a rede salesiana – informa o diretor da escola, padre Dácio Bona.

Nesta semana, o Sindicato Rural de Bagé deve entrar em contato com a direção da rede para tentar mudar o conteúdo da publicação.

(Sobre o episódio, leia também o artigo de Diego Casagrande.)

Abordagem de tema seria prematura, dizem especialistas

O caso sobre o material didático usado na escola de Bagé chegou ao conhecimento do fundador da ONG Escola Sem Partido (www.escolasempartido.org), criada em 2004 para combater a doutrinação ideológica nas escolas brasileiras.

– Neste caso, estão tentando fazer a cabeça das crianças em uma idade em que elas não têm condições de discernir. Então, se vai se colocar uma visão, no caso o texto do Stédile, que se coloque também uma outra – critica Miguel Urbano Nagib, fundador da organização não-governamental.

Para a coordenadora do curso de Geografia da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), Cláudia Luísa Pires, textos como os apresentados pela escola são muito complexos para alunos com essa idade:

– Não digo que esteja certo ou errado. Afirmo que esses estudantes são imaturos para receber informações complexas como essa. Eles não têm maturidade para opinar.

(Reportagem de Leandro Belles)

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