O $uce$$o da doutrinação

Reportagem de Nelito Fernandes, publicada na revista Época, em 5 de outubro de 2007, sob o título “O mistério do professor Schimidt”.

O autor do polêmico livro de História que vendeu 10 milhões de cópias sumiu. Ele foi barrado pelo Ministério da Educação por não mostrar diploma

Mario Furley Schmidt é o autor que mais vende livros de História no país. Com 10 milhões de exemplares, sua coleção Nova História Crítica foi lida por cerca de 30 milhões de estudantes. No Brasil, Schmidt vendeu cinco vezes mais que O Alquimista, de Paulo Coelho, e quatro vezes mais que O Código Da Vinci, de Dan Brown. Apesar dos números, a formação acadêmica do escritor é um mistério comparável ao Santo Graal. Schmidt, que está com 45 anos, não conseguiu comprovar no Ministério da Educação que tem curso superior em História ou em qualquer outra área. A falta de diploma não deveria tirar o sono de um professor que é descrito como brilhante por vários ex-alunos. Mas tirou. Isso porque, até este ano, o MEC não exigia formação superior de autores interessados em participar do Programa Nacional de Livro Didático, que compra livros para o ensino médio. Para 2008, a regra mudou. Schmidt entrou na Justiça e conseguiu uma liminar para participar da concorrência sem diploma. Mas a liminar foi cassada e ele está fora do programa. Ou seja, a história de sucesso de seu livro pode estar com os dias contados.

Desde que a coleção Nova História Crítica foi denunciada pelo jornalista Ali Kamel por fazer propaganda ideológica do comunismo, Schmidt desapareceu. Há duas semanas ele não é visto nos lugares que freqüentava habitualmente. O autor aluga um apartamento que usa como escritório num condomínio residencial de classe média em Icaraí, Rio de Janeiro, aonde ia pelo menos duas vezes por semana. Depois da polêmica, sumiu. O porteiro conta que uma empregada aparece por lá semanalmente, mas não sabe do patrão. Os dois telefones registrados no nome de Schmidt são seus únicos rastros, mas ninguém atende. O escritor não tem carteira de motorista nem carro registrados no Detran. No Núcleo de Xadrez de Niterói, uma pequena loja no shopping São Francisco onde jogava com freqüência, ninguém mais o vê.

A rotina de Schmidt mudou até no curso pré-vestibular Sala 2, que funciona numa casa modesta, também em Icaraí. Ele dava aulas nas tardes de terça-feira. Pediu mudança de horário e, depois, segundo funcionários, entrou em férias.

Onde estudou Schmidt? ÉPOCA esteve com 17 pessoas que dizem conhecer o professor. São amigos e ex-alunos dele. Ninguém sabe dizer onde Schmidt se formou. A pergunta também foi feita a Arnaldo Saraiva, o editor da Nova Geração, que publica seus livros. Saraiva não só se recusou a dar resposta como desligou o telefone sete vezes e não respondeu a um fax.

A amigos, Schmidt diz que se formou na Alemanha, mas ninguém sabe informar o nome da universidade. Maurício Duarte, jornalista e amigo do autor, diz que Schmidt é formado em Filosofia na Alemanha Oriental e que o Brasil não reconheceu o diploma. Ele estudou Engenharia na Universidade Federal do Rio de Janeiro, de 1977 a 1984, mas não concluiu o curso. Em 1984, também na UFRJ, se matriculou em Filosofia, e mais uma vez abandonou as aulas, três anos depois, sem se formar.

Para o também autor de livros didáticos Demétrio Magnoli, que é professor da Universidade de São Paulo, a exigência do diploma é discutível. “Ele não garante um livro bom nem sua ausência resulta em livro ruim. O importante é o conteúdo, e o livro dele está repleto de equívocos.” Além de ter retórica anticapitalista, o texto de Schmidt distorce figuras históricas. Ao falar do ditador chinês Mao Tsé-tung, ele afirma: “Amou muitas mulheres e foi por elas correspondido”.

A polêmica dos livros didáticos com viés ideológico voltou à tona na semana passada em mais um artigo de Ali Kamel no jornal O Globo. Ele denunciou que oProjeto Araribá – História – Ensino Fundamental reproduz um texto do Instituto de Cidadania do PT sobre o Fome Zero. Sob o título “Um sonho que mudou a história”, o texto relaciona sutilmente o programa brasileiro à Revolução Russa, de 1917. A Editora Moderna informou que o trecho do Fome Zero não estará nas próximas edições do livro. Comentando a polêmica, o ministro da Educação, Fernando Hadadd, disse que há também livros com viés ideológico de direita, mas não citou exemplos. A assessoria de imprensa do ministério informou que ele falou de forma “genérica” e que não citaria os títulos por questões éticas.

Antes de escrever Nova História Crítica, Schmidt preparava apostilas para cursos pré-vestibulares. Segundo o professor João Batista de Andrade, que chegou a escrever parte do livro com ele, foi a filha do dono da editora Nova Geração quem mostrou a apostila ao pai. O editor gostou do estilo de Schmidt e o convidou a escrever o livro. A linguagem fácil e brincalhona que o professor adota em aula faz sucesso no Orkut, em três comunidades surgidas antes da polêmica. O seu temperamento, porém, está longe de ser uma unanimidade. Segundo alguns alunos, Schmidt costuma se irritar e debochar de quem discorda de suas idéias. “Ele fica tanto tempo discutindo política e defendendo Lula que não dá a matéria. Fui muito prejudicada no vestibular por causa disso”, diz a ex-aluna Manoela Dias.

Por receber 10% do preço de cada livro vendido, Schmidt ficou milionário. Mas ainda dá aulas, com bermuda e sandálias de dedo. Parte do que ganhou foi gasta na construção de uma casa com três andares só para guardar sua biblioteca de 25 mil livros. Ele teria aprendido a ler aos 4 anos. “Mario lê até dez horas por dia”, diz a professora de História da UFRJ Adriana Faccina, sua ex-aluna.

Filho de engenheiro alemão e professora francesa, Schmidt está em 199o lugar no ranking de xadrez do Rio de Janeiro. Aos 14 anos, foi campeão estadual e costuma mostrar seu talento no tabuleiro enfrentando quatro jogadores ao mesmo tempo, de olhos fechados. Por meio do amigo Maurício Duarte, Schmidt encaminhou a ÉPOCA a seguinte resposta à pergunta sobre o diploma: “Os livros é que devem ser julgados, para o bem ou para o mal”.

 

Quanto cada livro vendeu no Brasil
Nova História Crítica, de Mario Furley 

10 milhões

O Código Da Vinci, de Dan Brown

2,5 milhões

O Alquimista, de Paulo Coelho

2 milhões

 

 

 

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